Não tardará a que se resuma a um repositório dos tempos mortos, apenas mais um entre os milhões de cadáveres de uma rede de informação estática, em autoconsumo, apenas mais um entre os milhares com que me deparo, como que por acaso, revelando no seu irónico sistema de contagem de tempo, um tempo em que realmente viveu, e um progressivo desgaste, até ao fim do seu tempo. Tudo acaba por morrer... mas não deixo de sentir uma certa surpresa, em forma de mágoa, perante algo que durou tão pouco e que, no meu ponto de vista, nunca o chegou a ser; ...caminhava para lá... quando todas as suas intencões se esgotaram, logo numa primeira abordagem, num primeiro “post”, como se tudo o que houvesse para dizer fosse “queremos um espaço que marque pela diferença”, quando essa diferença acabou aí mesmo, nesse quadro de intenções utópicas e um tanto ou quanto arrogantes. Não me espanta. Mas devo confessar que acreditei, por utopia, por desejo de infinito... por arrogância também.
Entre um misto de provocações, infantilidades, agendas culturais, magazines decalcados, desabafos não-ponderados, verborreias, vómitos... lá foi morrendo. “Fode-me youtube”- talvez seja esse mesmo o sentido disto: uma caixa de correio para onde se vai atirando vídeos de gatinhos a fazerem coisas engraçadas; apresentações em power point que é necessário enviar a todos os amigos porque senão a avó passa mal; datas de eventos culturais; e toda uma infernidade de notícias, sites e musiquinhas batidas.
Haverá sempre a óbvia desculpa do “não há tempo”, que “agora estou a trabalhar na tese”, ou “estou a trabalhar”, ou “tenho ginásio a essa hora”, ou “uma merda qualquer”. Sim, este blog transformou-se verdadeiramente numa merda qualquer.
No entanto, parece incrível como algo feito do trabalho conjunto de quatro pessoas não tenha, PELO MENOS, um post por dia... isso implicaria a cada um fazer uma média de UM POST POR SEMANA!, ...mas isso custa muito! - “deixa-me lá escrever uma merda qualquer..., ou então mando um vídeo do youtube e nem tenho de me chatear mais com o assunto...”
Talvez seja por isto não ter um sistema de “avaliação”. Discutia-se, há uns dias, a importância das "notas" na faculdade... acho que é esta – quando não há notas as pessoas começam a cagar, progressivamente, até ao dia em que se esquecem daquilo com que se tinham comprometido - “Isto não é importante”, “isto é um repositório de merda”. Porque não o fazemos (blog/vida) à imagem da nossa arrogância inicial? ...porque, na realidade, NÃO SOMOS CAPAZES!
Toda esta introdução serve apenas para dizer que, como todas as coisas insignificantes da vida, este mísero blog é apenas mais um pequeno simulacro da vida real. As pessoas não cumprem compromissos, preferem, parafraseando um sarcástico (que no meu ponto de vista deveria ser mais directo), “masturbar-se a foder”. Porque “foder” implica sujar mais do que apenas uma mão.
Gostaria também de acrescentar que EU PRÓPRIO me revejo em tudo o que acabei de dizer. E não gosto. Não gosto que a humanidade viva para o seu umbigo, e não gosto que a sociedade nos obrigue a fazê-lo em ordem a sobreviver. Quem for escuteiro, é completamente espezinhado, e sofre; quem for rufia, baterá em tudo e em todos, apenas com o objectivo que ninguém se aperceba da sua fraqueza, e sofre, mais tarde ou mais cedo, porque é fraco; e há os dissimulados.
Os dissimulados são os piores mas, nos dias de hoje, o mundo é deles. Com todas as câmaras de vigilância, nicknames e escravidão da moda, qualquer um pode ser um dissimulado. Qualquer um pode criar uma imagem para si, e servir-se dela, mentindo aos outros, ao mundo e a si próprio. Um dissimulado é um mentiroso. Um dissimulado apresenta um trabalho sobre arte sem a sentir, e age como o pior crápula, como um actor superficial, aparentando sentir aquilo que deveras não sente e desconhece por completo. Um dissimulado diz aquilo que pensa ou sabe que o outro quer ouvir. Um dissimulado é um sedutor.
Depois há os azedos. Penso que a melhor definição para nós os quatro é sermos uns azedos que de vez em quando, e porque percebem que se não o fizerem acabam por sofrer, agem com uma certa “dissimulação”.
Quanto a vocês não sei como se saem, mas eu confesso que não consigo encarnar personagens sedutoras. No teatro sempre gostei de fazer personagens que gritavam muito, que eram más, loucas ou doentias, talvez como forma de extravasão... sentia-me bem podendo fazer tudo aquilo que me retraio por fazer, numa personagem que realmente o pudesse fazer. Mas nunca conseguiria fazer uma personagem dócil, sedutora, que lê os olhos de alguém e consegue, por palavras, manipulá-la... o meu discurso até poderia começar assim, mas rapidamente se atabalhoaria num atropelamento do mundo. A comunicação assusta-me porque me faz querer perceber o mundo inteiro de uma única assentada, e não sou capaz. Mas a sociedade está montada, e isso é apenas um defeito insuportável.
O que se quer são dissimulados. O que se quer são ALFAS.
Sinto, acima de tudo, uma enorme desilusão perante a indisponibilidade do mundo para se resolver a si próprio. É tão fácil perceber a solução dos enigmas quando nos ancontramos sós, sem nenhum elemento de carácter aleatório que lhe condicione a expressão, que nos parece, nessas alturas, que bastaria um momento de pensamento uníssono para resolver todos os problemas do mundo. Mas isso não existe. O que existe é uma sociedade de informação exacerbada, é cada cabeça a pensar para o seu lado, fazendo aquilo que lhe faz mais sentido, mas em completo autismo perante a “sociedade exterior” a cada qual. Porque todos somos autistas numa “sociedade normal”.
Precisamos, todos, enquanto POVO PORTUGUÊS, de um BOTELHON na Praça do Comércio, como diria um amigo meu, precisamos de um momento de liberdade e de extravasão EM GRUPO, numa multidão FORA DA SOCIEDADE INSTITUÍDA. Precisamos de liberdade. Precisamos do 25 de Abril que nunca chegou a acontecer. Precisamos da revolução dos estados de consciência, pela música, pela dança, pela orgia.
Sinto-me numa prisão desde o dia em que nasci. Viajar fisicamente ilude-me, mas não chega, porque esses percursos apenas me mostram a repetição dos mesmos modelos, das mesmas atitudes, das mesmas pessoas... se eu morresse nenhum mal viria ao mundo, porque a minha singularidade pessoal existe num número insondável de clones que não me pertencem.
Resta-me apenas defecar para tudo, fazer justiça ao poço de fezes para onde vim à LUZ, defecando, fazendo aquilo para que fui criado, defecando mais um pouco, fazendo crescer infimamente o nível dos centímetros cúbicos de trampa desta gigantesca fossa. Quando o tiver feito, poderei dizer que não vivi em vão. Sou um defecador, tal como vocês, e nasci para isto, sozinho, isolado por completo numa poça de excrementos em putrefacção, chapinhando com os pés nessas lamas viscerais que, respingando para as pernas e envolvendo-se, colam-se nos pêlos, cabelos, dançando uno, cantando um solo, até ao dia em que cair e, lentamente, nesse processo mórbido de afundamento, ouvir a música do silêncio que é o sangue a percorrer as veias, o bater do coração, e o “flop-flop” de excrementos a entupir os ouvidos.
Por agora vou dormir na superfície do lodaçal.
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