26 de novembro de 2007

Do Androids Dream of Electric Sheep?

Não existe maior bofetada do que a compreensão absoluta da morte e do que representa. A Morte Absoluta. O FIM de tudo o que conheço; o fim para MIM, para o EU, para esse TU que neste momento vês em mim. O fim do mundo, pelo interior, da morte individual, no indivíduo, esse fim da consciência e a destruição de um mundo que não se repete; jamais, nunca outra vez. The end.

Tudo o que sei de mim, tudo o que sabes de ti, tudo isto não são mais que programas de software ultra-complexos, como se a natureza, através da sucessiva complexificação das suas estruturas elementares, a partir desse passado mítico do Big Bang enquanto início de algo, se tivesse aprimorado em formas conscientes e iludidas da sua individualidade que somos tu e eu, e eu em cada consciência de si, e tu em todos os outros. A explosão a partir da elementar singularidade e a sucessiva agregação de matéria, pela gravidade, pelo electro-magnetismo, pela força-forte, pela matemática... e os elementos em estruturas cada vez mais complexas, e a energia em micro-partículas, as micro-partículas em quarks, e estes em átomos, iões, e em moléculas, e em estruturas cada vez mais complexas, e na célula. E a célula em agregados, e em especialidades, em tecidos, e em organismos. A inteligência enquanto complexificação da consciência, e esta enquanto mecanismo de sobrevivência de estruturas que não o seriam de outro modo. Somos um programa.

Sou a memória de toda a minha experiência, sou essa informação no cérebro, no ADN, na estrutura matemática do que sou feito, na estrutura das componentes sociais em que fui incubado – eu sou o fruto da complexificação de estruturas. Como se o Universo se tivesse auto-gerado, numa singularidade catastrófica, e só passadas centenas de milhões de anos pudesse tomar consciência do sucedido na singularidade de cada ser humano consciente, e apenas nesse momento se pudesse contemplar através do olho humano, de um Hubble, do olho de um universo que se olha ao espelho... Mas onde estou EU? ...em cada célula cerebral que envelhece perco um pouco de mim e, quando morrer, todas essas memórias morrerão comigo... desintegrar-me-ei uma por uma, ou todas em simultâneo, não existe realidade alternativa que acolha essa energia eléctrica... morrendo aqui, toda a memória “deste mundo” morre comigo, tal como todas as memórias dos biliões de seres conscientes que me antecederam; como num “format C:” no disco rígido de um computador, onde toda a informação DESAPARECE para nunca mais voltar, assim se desliga o ser humano, consciente de SI pela complexificação dos mecanismos de sobrevivência, com sentimentos e emoções geradas por enzimas libertadas no sangue, com toda essa necessidade de dar sentido à singularidade da sua existência.

Isso é assustador.

Porque EU sinto, EU sofro, EU choro, EU danço, EU esforço-me, EU falho, EU... "mato"?, EU perdoo... mas tudo isto pela matemática, tudo isto pela complexidade da estrutura que o universo construiu para mim!(?)


(...)


Não!... ...pela complexidade que EU construí para mim!, a partir do momento em que nasci (nascemos!), a partir do momento em que tomámos decisões, mudámos a nossa estrutura interna, mesmo que esse tenha sido o propósito que o universo tenha projectado para esta complexa forma que é “o ser humano consciente de si”, mesmo que o fim último da complexificação de estruturas seja a constituição de "entes criadores", mesmo que toda esta gigantesca reacção em cadeia resulte nas entidades que somos NÓS, TUDO aquilo que fomos a partir desse instante foi por NÓS escolhido dentro dos parâmetros do livre arbítrio que a complexificação de energia em moléculas de ADN permitiu. Se temos livre arbítrio é porque o nosso software foi “desenhado” para tal. Mas isso faz das nossas acções e pensamentos processos previsíveis a priori? ...Não sei.

Gostaria de me poder deculpar a toda a gente, e para todas as situações em que se justificaria com a única frase “foi o meu sentido de sobrevivência a falar”, e o meu sentido de sobrevivência não depende de mim... foi pelo teu sentido de sobrevivência que não aceitas uma evidência que te é nefasta, foi pela minha natureza que não o entendi, é pela estrutura interna que o ser humano não é capaz de ser mais, mesmo tendo a possibilidade de escolha, essa “voz interior” é muito mais forte... “bate-lhe”, “fode-a como ela merece”, “responde a esse cabrão”, SOBREVIVE.

A realidade é que falamos tantas vezes em egocentrismo sem percebermos que o egocentrismo é uma característica intrínsecamente humana, é o egocentrismo que nos permite sobreviver, sem egocentrismo já me teria suicidado há muito tempo, no primeiro dia em que me disseram “és estúpido” eu teria acreditado, no primeiro dia em que não houve disponibilidade de parte a parte. Porque apenas se trata de disponibilidade... disponível para ouvir, disponível para sentir, para amar, para perceber. Cada um tem o seu mundo, cada um tem o seu banco de memórias, fruto de uma vida de escolhas que fizémos e que fizeram por nós, cada um é singular, não existem melhores e piores, existem apenas REFERENCIAIS. É a partir de cada referencial individual que nos avaliamos mutuamente, que fazemos juízos, é através da disponibilidade que criamos a possibilidade de deixar que esses referenciais sejam a(in)fectados por quem (nos) marca a diferença... porque no fim há apenas o medo do desconhecido, o apagar de todas essas experiências, a (in)justificação de toda uma vida de trabalho árduo, tudo para nada... tudo, para esse TUDO que foi o momento em que vivemos, tudo para esse universo que nasceu de uma singularidade da líbido e que se extinguiu no outro extremo, mas que teceu nessa progressão uma imensa teia de referenciais, que tocou, que disse "ESTOU AQUI" da maneira e forma que conseguia e sabia expressar, e a quem o expressar, porque tudo acaba por ser feito para alguém(?)...

...talvez agora tenha compreendido o fim último da "arte". Faltou disponibilidade, talvez a mesma que neste momento me falta para poder sorrir, para compreender coisas que já disse... para responder a alguém que me fala neste momento (...) era eu tão diferente então? Será tão importante a singularidade se nós não somos singulares?

Somos estruturas complexas, tramas intrincadas, somos mais do que singularidades, somos nós e somos outros, apenas precisamos de nos encontrar disponíveis. E isso acontece... ...às vezes.

*

3 comentários:

linfoma_a-escrota disse...

mt bem mt bem
mas uma pitadinha de espiritismo, psilocybe cubensis e stephen king tb n te fazia malzinho nenhum

Anónimo disse...

Pois é verdade... viver é lixado. Tantas questões, tantas explicações, tantas dúvidas, tantos sentimentos. para uma coisa que tem um fim. E um fim que não escolhemos. E um inicio que não escolhemos. E um meio que tantas vezes não escolhemos. Mas,o curioso é que vamos escolhendo. Formatados, influenciados, por uma lógica que foi provada. Mas e isso não surgiu apenas para dar algum sentido? Que lógica é essa? Qual o inicio de tudo isso? Qual a base?
Tantas vezes penso se fará sentido. Tantas vezes me justifico com o "é assim", sem acreditar. Tantas vezes duvido. Valerá a pena? Nasci e estou aqui. Valerá a pena? Para quê? E a dúvida vai conseguindo manter-me aqui. A dúvida sobre mim. A duvida sobre os outros. A Duvida. A esperança - Mais um sentimento que tem algo de absurdo. Mas existe. Eu sinto-a. E é só isso que me mantém cá.
Sou um acumular de todos os momentos que vivi e de todos os momentos que todos viveram antes de mim. E agora? Sobrevivo? Não, não me parece. Seja qual for a lógica que me provoca, também eu tenho que ir até ao fim. Desafiar-me a mim mesmo. Ultrapassar-me a mim mesmo. Melhorar-me. Mostrar-me que eu posso. Que eu decido. Que, mesmo sendo tudo uma ilusão de auto suficiência, tudo o que eu sou a nada me obriga. E que eu escolho. E que eu sinto. E que eu posso escolher alterar-me em meu proveito.
Não é com isso que sonham todas as máquinas?

aa disse...

...essa tua última frase fez-me tomar a liberdade de mudar o título do post para o dessa novela do Philip K. Dick que deu origem ao Blade Runner.
Somos máquinas... somos naturais... mas e as máquinas que fazemos não serão apenas mais um fruto da natureza? As máquinas são naturais... talvez o conceito de artificial não exista, mesmo:
"artificial - produzido por arte ou indústria (...) que não é natural", este conceito aparente ser uma falácia, nesse sentido, porque se a natureza produz seres capazes de criar, então tudo o que esses seres criam também é natural - um formigueiro é natural?
É apenas uma questão de tempo até os computadores poderem desenvolver sentimentos, isso é o fruto da complexificação de sistemas, neste momento eles ainda são menos inteligentes que vermes.